O Brasil é mesmo um país criativo. Enquanto milhões esperam meses por uma cirurgia simples no SUS, Jair Bolsonaro entra em mais um capítulo da sua especialidade favorita: o reality hospitalar permanente. Agora é hérnia inguinal bilateral - o intestino tentando fugir do corpo, talvez em busca de um ambiente com menos fake news - e, como bônus, um bloqueio do nervo frênico para conter o soluço. Sim, o soluço. A metáfora pronta. O corpo protestando em espasmos contra o que a cabeça insiste em dizer.
O roteiro é conhecido. Sempre que o cerco aperta, surge um jaleco, um boletim médico, uma cama de hospital e a velha aura messiânica do “sofredor da pátria”. Não é doença; é estratégia narrativa. A política vira enfermaria, e a enfermaria vira palanque. O mito sangra, o mito sofre, o mito se interna - e a militância ora, chora e compartilha.
Detalhe técnico que não passa batido: quem autorizou a cirurgia foi Alexandre de Moraes. O mesmo que, segundo o delírio bolsonarista, seria o grande algoz da liberdade, o demônio togado, o carrasco da nação. Curioso como, na hora H, até o capeta serve para assinar autorização médica. Estado de Direito funciona melhor que cloroquina.
Não há aqui desumanização. Toda pessoa merece tratamento médico digno. O ponto é outro: transformar cada ponto cirúrgico em argumento político, cada dor em capital simbólico, cada soluço em prova de martírio. Bolsonaro não governa mais, não lidera mais, não propõe mais nada. Resta-lhe o corpo. E mesmo esse parece cansado de carregar tanta farsa.
No fim, fica a imagem perfeita: um líder que prometia força, virilidade e ordem reduzido a boletins, sondas, hérnias e soluços incontroláveis. A política brasileira não precisa de mais um messias internado. Precisa, urgentemente, de menos teatro e mais responsabilidade. Mas isso, ao que tudo indica, não entra no protocolo médico.
Crédito Escritor e Advogado Julio Benchimol Pinto
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