Flávio Bolsonaro aparece num culto da Lagoinha, em Orlando, é chamado ao palco, recebe oração solene, posa de ungido e sai como pré-candidato presidencial. Cena clássica. Já vimos esse filme. O detalhe é o elenco coadjuvante - e o contexto que convenientemente fica fora do culto.
O pastor que conduz a oração é André Valadão, o mesmo que em 2023 virou alvo de ação do Ministério Público Federal por falas públicas consideradas discriminatórias contra a população LGBTQIA+, com ordem judicial para retirada de vídeos das redes. Não é cancelamento woke. É papel timbrado, processo e decisão.
Valadão não é apenas um líder religioso “polêmico”. É um ator político ativo, bolsonarista assumido, que opera há anos na fronteira porosa entre púlpito, palanque e rede social. O culto, ali, não é liturgia: é ensaio eleitoral.
E aí entra o contexto que não aparece na transmissão ao vivo.
A Lagoinha tem relações antigas e documentadas com a família Daniel Vorcaro, controlador do Banco Master - hoje personagem central de investigações federais, acareações no STF e reportagens sobre operações financeiras agressivas. Não é crime por osmose, nem prova automática de nada. Mas é rede de poder real: fé como capital simbólico, dinheiro como infraestrutura, política como finalidade.
Essa engrenagem não nasceu ontem. Igrejas oferecem audiência fiel, disciplina emocional e blindagem moral. O capital oferece recursos, acesso e trânsito institucional. A política entra para colher voto ungido e narrativa redentora. Milagre mesmo é achar que isso é só “oração”.
O culto em Orlando acontece, ainda, no meio da briga aberta entre líderes evangélicos da direita. Silas Malafaia já avisou que Flávio não tem “musculatura política” e prefere outra chapa. Traduzindo: a guerra não é teológica. É sucessória.
Nada disso é sobre Deus; é sobre poder. Nada disso é espontâneo, é coreografado. E quando religião vira comitê eleitoral no exterior, convém perguntar menos “amém” e mais: quem articula, quem financia e quem lucra.
No Brasil, quando a fé entra em campanha, a democracia sai de joelhos - e o dízimo quase sempre vai para o caixa errado.
Crédito: Escritor e Advogado Julio Benchimol Pinto

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