Cansada de modismos, estrangeirismos e idiotismos, a portuguesíssima Língua resolveu dar uma volta pelo céu da boca, para espairecer, esticar suas vogais, suas consoantes e ver estrelas. Mas, logo na primeira esquina, deparou-se com um “todes” desavergonhado, que a chamou de arcaica e boçal, sem ao menos cumprimentá-la, como mandam os bons costumes e a boa língua culta. A nossa Língua procurou não dar ouvidos aos insultos e continuou sua caminhada pelas linhas tênues do alfabeto, observando o quanto estava desgastada, maltratada, desalinhada e sem cor. Nenhuma sílaba que a prendesse ao canto, nenhuma reforma que a fizesse engrandecer-se ou ajudar os céticos. As últimas, para quase nada serviram — e ainda deram um basta no assento do “pára” e no hífen de “girassol”. Só o mantiveram em “arco-íris”, para não se dizer que era por preconceito. Principalmente, mandaram para a Cochinchina o nosso trema de cada dia. Ainda que ninguém o reconhecesse mais, tinha a sua imponência e vaidade. Por isso, a Língua anda desconfiada, olhando para os lados como se temesse um assalto à gramática, quiçá uma agressão mais séria à métrica, ou mesmo um tapa na cara da lógica. Esta, sim, já sem nenhuma lógica que nos possa explicar a falta de amor por esta Língua luso-brasileira-africana, que tanto nos deveria orgulhar e que tanto deveríamos protegê-la.
A Língua então, como um rio de sons e sentidos que corre entre a palavra e o pensamento, saiu da boca com musicalidade, como se quisesse expor a doçura de suas vogais e a força de suas velhas consoantes, para destilar palavras de amor e saudade do que já foi, sem que a cortem pelo meio com o sabre da ignorância. Cada frase que profere seja uma melodia; cada verso, construído com poesia e não com mera obscenidade e gíria. A nossa Língua é a nossa casa feita de história, de significados e de silêncios, de amor e de luz. Não temos o direito de calá-la, nem de violentá-la, nem de ignorá-la.
Sim, a Língua é a nossa Pátria, e é também a nossa vida. Portanto, devemos nos orgulhar dela, devemos respeitá-la, como se deve respeitar uma mulher.
Credito: Escritor Achel Tinoco

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