Por Achel Tinoco
Desde a infância que nos acostumamos com ele: alegre, brincalhão; de uma pureza e docilidade contagiantes. Não sei se tudo entendia do que dizíamos, ou melhor, do jeito que gesticulávamos, já que não sabíamos a língua dos sinais (LIBRA). Mas é certo que conseguíamos nos comunicar. A cada brincadeira, ele retribuía com gestos, caretas, risos. Só ficava bravo jogando bola. Era goleiro. Mas não podemos mentir e dizer que era um bom goleiro, a bola passava por entre suas mãos com a mesma facilidade com que passa a baba do quiabo por uma peneira. Ainda assim, ele reclamava do time, jogava os braços para cima, grunhia e partia para cima de um adversário. Nada que precisássemos nos preocupar, na verdade não brigava com ninguém, e era tão simpático que ninguém conseguia brigar com ele. Olha que era preto, pobre e da roça. Não, não, isso não importava nem um pouco. Racismo, sequer tínhamos ideia do que era. Éramos livres. Éramos todos da roça. Não o zoávamos porque ele era preto, ou pobre, ou da roça, tão somente quando levava um tremendo frango. Aí, todos os impropérios lhe eram direcionados. Pouco importava, ele não ouvia mesmo, mas decerto entendia perfeitamente a situação, e lá estava outra vez a sorrir, pronto para buscar a bola no fundo das redes; dar-lhe um pontapé do tiro de meta ao meio do campo. E foi assim por toda a adolescência, parecia nunca deixar de ser menino, de ser moleque, de ser o Mudo. O querido Mudo, agora adulto, trabalhava nos arredores da Tesourinha, montava nos burros, andava de bicicleta. E foi, injustamente, montado numa bicicleta atropelado por um carro na beira da estrada.
Alguém veio correndo nos avisar:
“Domingos morreu”.
“Quê?! Mas quem é Domingos, homem?”
“Domingos, o Mudo”.
Ah, meu Deus!...
O nome dele era Domingos.
Que pena!
Achel Tinoco escritor e poeta com diversos livros publicados, recentemente lançou O Castelo de Wilhelm Hermann e Avenida Oceânica 3003.
Comentários
Postar um comentário