Tenho medo do que há depois da morte, principalmente para quem morreu ainda cedo e deixou tudo por viver. E pior do que essa incerteza, é ficar sem saber o que se fará com o pouco que deixei, com os meus escritos e até com o que não fiz. Quem afinal realizará os meus sonhos? Quem vai escrever o que não escrevi? Quem vai sorrir por mim? E quem vai impedir de que chorem a minha falta? Não vou em paz. E agora que estou na outra margem, não sei qual direção tomar, nem onde encontro uma folha de papel para escrever o que estou a pensar. Mas o que penso, ninguém vai decifrar, nem saber para quem foi meu último pensamento antes do escurecer. Não tem mais importância a obra que não conclui, fica para a minha eternidade. Vou ver se encontro uns gravetos para acender o fogo dessa imaginação fugaz, que já correu os olhos em redor para delimitar o espaço vigente e pouco viu, que não fosse solidão. No entanto, continuo no mesmo lugar, divagando sobre a minha inexistência depois da missa de sétimo dia. Ninguém precisa mais chorar, o tempo já se encarregou da decomposição das minhas lembranças, como um abutre prático que precisa liberar cantos nas almas para outrem e estancar as lágrimas corriqueiras de um e de outro que ainda insiste em se lembrar de mim. Contudo, sinto-me tanto vazio, que o meu olhar se volta para mim mesmo, como quem busca uma explicação para o não existir, para o começo e depois para o fim. Porém, a única resposta que encontro diz respeito à importância e à necessidade da morte como renovação, como equilíbrio e como justiça, para que o espelho d'água não se volte para nós mesmos e nos faça eternos Narciso.
Portanto, concluo, com as últimas labaredas o meu pensar, dizendo: se não morreu, é porque nunca viveu; e se não viveu, tanto faz morrer ou não.
#Narciso
#viver
#morrer
Crédito: Escritor e poeta Achel Tinoco
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