Vila Ferreira

 VILA FERREIRA



I

Vila Ferreira — menina:

Descalça, menina Ferreira,

À sombra dos laranjais

Debaixo da cachoeira.

A bica da Chita Fina

Tempo das lavadeiras

“Grilo e Honorato,

Osório e seu Vadinho”

Sobre as longarinas 

Eu me lembro sozinho

Da Cancela de Zinco,

Engenho e laço;

Moinho de cana,

Carro de boi;

Garapa, mel, melaço

Derrama o tacho,

Prende o boi.

O futuro vai a riacho

Ao redor do dique

Lá na ‘Jandaia’

Cachaça de alambique,

‘Tidinho’ foi à praia.


II


Vila Ferreira — adolescente:

Tempo das armadilhas,

A chácara do meu avô

Caçou bem-te-vi e viu

O beijo do beija-flor

Primeiro a beijar orquídeas;

Segunda, formiga  o rio

Lilás como baronesas. 

Depois montava o vento

De esporas do sol bravio

Pastando na madrugada.

Por uma pélvica beleza

A moça sangra ao relento

Desnuda de quase nada

(amor, sangria, sentimento).

De volta para casa

A terra se faz de nova

E a vida se modifica

No fundo daquela cova:

Planta, capim e girassol

As águas de outra bica

Vão mesmo regar o sol. 


III


Vila Ferreira — mulher:

Em dez partes dividida.

A maior parte dos sonhos

Por detrás daquela Vila:

Fazenda, infância, céu anil

Nada reza além da tarde.

Visgueira à margem do rio

Aos pés do caboclinho

Preso de tanta maldade

Se vai e vai se sentindo

Que um dia estará mudo

Na minha Vila esquecida.

A morte tem cara de tudo,

Mas a Vila Ferreira é vida.

Comentários

Postagens mais visitadas