Crédito: Escritor e poeta Achel Tinoco.
"Árvores seculares da Mata Atlântica escondiam a lua por entre suas copas crescentes, voltando para a aurora somente a face minguante, como se quisessem preservar o céu. Gotas de orvalho escorriam das folhas sobre a terra avermelhada. O vento que sibilava sobre as asas do sofrê impelia as águas do riacho pelo vale cheio de flores ainda virgens — malmequer, bem-me-quer e orquídeas de toda cor agarradas aos troncos e aos gravatás. Os homens não se importavam com o cenário adiante. Para eles, era apenas paisagem. As águas desembocavam no alambique abaixo da casa, lavavam as caldeiras e seguiam pelo Rio da Formiga, levando consigo as folhas mortas derrubadas pelo vento.
"Assim, aos 28 dias de fevereiro de 1930, meus avós, Manoel Tinoco e Carlinda Maria de Magalhães chegavam, em definitivo, à fazenda Jandaia — município da Tesouras (hoje Ibirataia), que completa neste exato dia 10/11, 63 anos de emancipação — com os 10 filhos, depois de treze dias de viagem sobre o lombo de burros.
"Na soleira da porta, Manoel, de 53 anos, estendeu o braço para mostrar à mulher e aos filhos a casa reconstruída, fincada sobre um lajedo, no sopé da serra, doze anos depois de ali chegar, sozinho, para construir a fazenda e buscar a família nas lonjuras de Amargosa, às margens do riacho Corrente.
"Uma emoção silenciosa veio aos olhos de Carlinda quando entrou na casa e se deparou com o retrato oval emoldurado pesadamente, onde pousava ao lado do marido no dia do seu casamento. Seu sorriso clareou a sala quando viu o painel azul, em azulejo português, trazido de Itabuna, a pedido de Manoel, para cobrir a metade da parede, formando a figura meiga de um anjo.
"A decadência veio com os anos desmanchar toda a beleza desta Jandaia. Mas elas continuam lá, fincadas nas lembranças de todos aqueles homens, mulheres e crianças que de alguma forma participaram desta história.
"Eu!? Eu sou um neto de Manoel, escrevendo os acontecimentos para serem coadunados à memória daqueles descendentes que ainda virão."
Do livro "Vilarejo dos Anjos".
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