Continuação:
'“Se o livro tivesse a importância de um gol, seriamos um país de leitores”.
Certa vez, concedi uma entrevista para uma jornalista do principal jornal da Bahia, cujo nome até já esqueci. Horas e horas ao telefone conversando, explicando, falando do meu quinto livro, "As Nudezas Secretas de Eleonora". Pretendia lançá-lo em breve. Estava todo animado como se amanhã eu já fosse reconhecido na primeira página e a capa do livro estivesse estampada. Um mês depois, recebi um telefonema da mesma jornalista:
“A quem você deu a entrevista?”, ela perguntou-me apressada.
“A você mesma”, eu disse surpreso com o esquecimento dela. “Por quê?”
Sem vergonha, ela respondeu:
“Desculpe, é que não estou encontrando...”
Isso mesmo, ela havia perdido a entrevista. E nunca saiu nada sobre esse livro. Quase sempre era assim tratado, com descaso, mesmo eu indo pessoalmente às redações, distribuindo livros para todos que encontrasse, contribuindo com artigos e opiniões sobre assuntos diversos. Na véspera de um lançamento, eis que lia no jornal uma notinha quase invisível sem o nome do autor nem o local do coquetel. Tinha vontade de voltar lá e esfregar o livro na cara de cada um. Passava dias jurando para mim mesmo que nunca mais eu mandaria um artigo ou uma opinião sobre qualquer coisa. Mas eis que a indignação passava ao largo, e para as redações enviava mais uma crítica: dessa vez, um vereador apresentou um projeto limitando a venda de acarajés na Cidade de Salvador. Dizia ele que somente baianas vestidas a caráter e em pontos determinados poderiam vender o bolinho de feijão. Comecei dizendo que era um projeto tão absurdo como aquele do fraldão para os cavalos não sujarem as ruas... O político não gostou nem um pouco do que lera no jornal e disse em resposta que eu era um missivista ignorante. Vá entender!
Os carros de bois do meu próximo romance estavam a caminho, esperando o meu avô, na região cacaueira, onde comprara a fazenda Jandaia e trabalhava nela havia quase doze anos, para em seguida buscar a família em Amargosa. Como eu mesmo diria adiante, caindo num lugar comum, o velho montara um pequeno império, fundara uma cidade e consolidara toda a sua respeitabilidade de homem sério e honesto que fazia da palavra sua assinatura pessoal e indiscutível, como eu fizera da minha um modo de viver. Nesse "Vilarejo dos anjos" criado por mim, descobri ainda uma Bahia nova, melhor explicando, uma Bahia velha do tempo dos coronéis do cacau quando aferroava aqueles que não cumprissem as ordens, aqueles que descumprissem a palavra e aqueles que não respeitassem a honra de um homem; quando os frutos do cacau nasciam até nos pés de jaca. A região povoava o imaginário de Jorge Amado, que a descrevia por todo o mundo, enquanto que os seus coronéis despejavam nas burras suas amêndoas achocolatadas para depois conquistar a terra, enquanto eu, embora tivesse passada já a metade da vida naquela região, somente agora descobria todo o seu enquanto e esplendor, toda a sua riqueza cultural, e as história que estava a contar...'"
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