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O Menino Virtual

 Livro O Beija Flor que Não Sabia Voar do escritor Achel Tinoco 

Era uma vez um menino chamado Dudu. Desde a primeira infância, Dudu gostava de brincar com aparelhos eletrônicos: celulares, máquinas fotográficas, televisores etc. Quanto completou seis anos, o pai, o senhor Eduardo X, deu-lhe de presente de aniversário um computador. Ah, que máquina maravilhosa, que espetáculo! Para ele nada se poderia comparar à magia das imagens, os jogos, a tela. 

Dudu estudava numa escola particular e tinha aulas de robótica. Era um aluno interessado, atencioso, comportado. Jamais chegou em casa trazendo no boletim uma observação sobre o seu comportamento ou com uma queixa da professora. Entre os colegas de sala, era festejado como um guri brincalhão, divertido, simpático. Mas,  desde o dia em que ganhou a tal máquina, o menino se desinteressou pela escola, pelos coleguinhas, pelas brincadeiras. Dedicava-se exclusivamente à máquina. Não tinha mais hora para comer, hora para brincar, hora para dormir. Só o que importava eram a tela do computador e os inúmeros jogos que ele baixava. A certa altura, o menino já entendia muito mais de computador do que o pai. 

Aconteceu que, com o tempo, as coisas saíram do controle. A mãe, Dona Esmeraldina Y, não conseguia mais fazê-lo tomar banho, comer, estudar, brincar. Os brinquedos, todos, foram relegados a nenhum plano. Ela pretendia dá-los quando chegasse o Dia das Crianças. Ele pouca importância deu ao fato. Fez um muxoxo distraído e voltou à tela. 

Numa manhã de domingo, comunicou aos pais que não ia mais à escola. E não foi mais. O computador seria seu professor, sua escola, seu recreio, sua vida. Dormia pouco, acordava, corria para o computador. Passou a se alimentar do que o computador lhe desse: megabytes, gigabytes, softwares e outros sistemas inteligentes. 

Mas, como sabemos, o computador é uma invenção das mais fantásticas. Mesmo assim é uma máquina e como tal não pode nos comandar. Nós o criamos e nós temos controle sobre ele. 

Dudu não entendia assim. Dizia simplesmente que aquela máquina era sua melhor amiga, não precisava de mais nada.

Os pais, diante da situação, levaram-no a uma especialista no assunto. Uma psicóloga. A mulher, muito simpática, disse que era um caso a ser estudado. Parecia,  conforme ela tentou explicar, que o menino adicionara à sua personalidade a personalidade do computador. 

Ué, e computador tem personalidade? Alguém aí há de perguntar. Exatamente isso os pais lhe perguntaram. Ela respondeu convicta de que certas pessoas assumem o modo de viver e de se comportar de outras, dada uma convivência muito longa entre os pares, como é o caso de um namorado que tanto gosta da namorada. Com o tempo, ele passa a repetir ou imitar certos gestos, modo de falar, até o jeito de andar da parceira. Nesse caso, disse ela, era como se o menino tivesse absorvido a capacidade que o computador tinha de armazenar informações e de “pensar” rapidamente. Assim ele passou a acreditar que também podia aprender tudo aquilo. E, já que o computador não comia, não dormia e não ia à escola, ele também não precisava ir.

E quanto ao amor dos pais?

Para ele, Dudu, o amor dos pais era incondicional, como era incondicional o seu amor pela máquina. Desse modo os pais estariam sempre ao seu lado, mesmo que fosse apenas para reclamar de sua ausência. Ora, para ele, era uma bobagem, porque, como todos estavam vendo, ele continuava sendo o mesmo Dudu de sempre. 

O que fazer?

Segundo a psicóloga, a doutora Informática, com o tempo, ele iria compreender que havia, sim, uma diferença inegável entre ele e a máquina: o coração. Nele, por mais involuntário que fosse, o coração pulsava, sentia; na máquina, não. Uma vez que faltou energia e ele se viu sozinho, pode entender isso. Um fato. Mas três minutos depois, depois que voltou a luz e a máquina se religou automaticamente, lá estava ele, outra vez, de bate-papo com os amigos virtuais. 

Uma manhã, os pais saíram para trabalhar e o deixaram sozinho por uma boa meia hora, até que a babá chegasse. Aconteceu que a mulher fora acometida por uma virose que infestava a cidade e não foi. O telefone estava sem crédito e por isso não pôde avisar aos patrões. O menino, que já não dormia, não comia, não brincava, não ia à escola, sequer percebeu a sua falta. Estava digitando alguma coisa quando, de repente, ouviu um estrondo dentro da CPU. Oxe, que foi isso? Abaixou-se, olhou em redor, puxou-a para frente de modo que pudesse averiguar atrás se tinha algum problema visível, um fio solto, um curto-circuito. Nada. Tudo parecia normal. Mas observou ainda intrigado que o monitor havia se apagado. Estava tudo escuro. 

Coçou a cabeça. Que houve, afinal?

Uma voz o alertou:

“Dudu!”

Ele se assustou, olhou em volta, levantou-se da cadeira, sentou-se novamente.

“Dudu!”— a voz tornou a chamá-lo. 

Não podia ser, mas era: a voz saía de dentro do computador. Como? Isso ele ainda precisava descobrir.

A voz continuou:

“Dudu, meu amigo, eu sou um pequeno vírus. Tenho a sua idade e me chamo Hackinho”.

— Como assim? — Dudu perguntou. 

“Exatamente o que você está pensando: sou um hacker de mim mesmo”.

— Ainda não entendi.

“Vou lhe explicar: vivo dentro da rede, ou seja, ando por todos os computadores ligados aliciando crianças como você”.

— E quem disse que eu fui “aliciado”?

“Calma, deixe-me explicar: tenho o poder de persuadir crianças como você, que se entregam ao primeiro toque no mouse. Ficam fascinadas e não veem mais nada adiante”.

— Não foi o meu caso — Dudu disse com certa irritação.

“Pensam que, só porque têm o poder de ‘teclar’ com muitas pessoas diferentes, às vezes, que nem existem, são apenas virtuais, podem desobedecer aos pais, deixam de estudar, de brincar, de comer, de dormir. Deixam de viver, o que é muito mais grave. 

Dudu franziu a testa, mas Hackinho não parou:

“Para tudo há espaço na vida: seja para brincar, crescer, ou mesmo para ficar à frente desta máquina. No entanto, não se pode, sob hipótese alguma, deixar de ser criança, de conviver com as outras crianças, de ir à escola e aprender. A escola é o único caminho que temos para construirmos um mundo melhor”.

— Por que você disse ‘construirmos um mundo’, se você é um vírus? — quis saber Dudu, encafifado.

“Eu também já fui você.”

O menino se surpreendeu de novo:

— Não entendi.

“Eu era uma criança como você e como você eu ganhei uma máquina dessas e me debrucei à frente de tal forma, que me incorporei a ela e nunca mais vi os meus pais”.

— Sinto muito.

“Eu tinha uma vida perfeita: corria, brincava, estudava, lia, vivia. De repente, troquei tudo por um mundo virtual. Sei que os meus pais sofreram muito com a minha ausência, a minha desistência da vida real. Quando percebi, já era tarde: estava preso aqui para sempre com a incumbência de assediar, conquistar e trazer para cá crianças assim como você”.

— Então o que o fez mudar de ideia?

“Ao ver o sofrimento dos seus pais, tentando de tudo para salvá-lo, eu compreendi o mal que tinha feito aos meus, por isso resolvi alertá-lo”.

— Não sei o que dizer.

“Não precisa dizer nada. Apenas viva como qualquer criança feliz. Não vai lhe faltar tempo, nem mesmo para se divertir aqui à minha frente. Faça suas tarefas escolares, durma normalmente, estude e, principalmente, dê atenção e a devida importância à família maravilhosa que você tem e que tanto o ama”.

— Mas... 

“Amanhã, quando você voltar aqui, mesmo que eu não esteja pessoalmente, quero saber que você é uma criança alegre, feliz, saudável, como outra qualquer”.

— E você...?

“Eu sou um vírus autodestrutivo.”

— Ainda vai aliciar pessoas?

“Somente aquelas que não têm sonhos.”

— Obrigado.

Dudu foi à cozinha para comer alguma coisa, depois foi tomar um banho e fazer os deveres de casa, que estavam tão acumulados, para esperar os pais, X e Y, chegarem do trabalho. 

 Eles também eram virtuais.

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