Como em todo lugar, na Tesouras tinha um rio que se chamava Formiga. Mas por que Formiga? Certo coronel bolinava uma mocinha na margem do rio, quando uma formiga cabeçuda ferroou-lhe o velho saco, provocando tanta dor e falatório que o rio passou a ser conhecido como o Rio da Formiga.
Como eu ia dizendo, o rio era forte, caudaloso, bonito. Nele, podia-se pescar cambute, xixiu, traíra, piau. Nele, podia-se beber as águas na concha das mãos, que não fazia mal. O rio era um patrimônio, um bem, um rio. Sim, o rio era apenas o rio, que se o deixássemos lá, estaria lá até hoje a correr plenamente na direção do mar, sem que ninguém o tocasse, mas usufruíssemos dele... Foi então que chegou o homem, como chega a todo lugar, e achou que o rio era sua lata de lixo, embora o defenda com unhas, menos com os dentes, porque já não tem coragem de enfiar a boca nas suas correntezas. Não há mais correntezas. As águas as levaram para o mar e nunca mais as trouxeram de volta. Ficou um fio de esperança... O rio foi perdendo o viço, a cor, a força. Quando se arrisca a passar, passa definitivamente, vai se desfiando. Ninguém mais se afoga dentro dele, tão somente a lembrança distante de Arlindo sendo levado pelas águas, bêbado. Resta a formiga teimosa cortando o que lhe resta de folhas secas que o vento traz de algum lugar e despeja nas suas margens assoreadas. As autoridades fingem que cuidam do rio, embora não precisem dele, talvez de uns votinhos que ele possa lhes proporcionar na próxima eleição; a população cobra o conserto de um braço que ela própria quebrou, embora não o leve muito a sério. Encane-o. Já passou a tempestade. Ninguém tem pena do rio, continua a despejar dentro dele toda a miséria, calúnia, difamação. O rio aceita, porque é de sua natureza aceitar, mas já não corre, não navega, não vai ao mar. Fica ali na beirada da rua: uma ilha plastificada de imundice, chorume, papelão. Morto.
Alguém aí sabe como se enterra um rio?
Ora, demos ao mesmo o nome de Francisco — morto;
Rio das contas — morto;
Rio sapucaia — morto;
Rio do jandaia — morto;
Rio da água branca — morto;
Rio do Oricó — morto;
Rio da Formiga — morto.
E sem o rio, a cidade está morta.
Estamos todos mortos.
Amém.
O Rio tá parecendo o brecho o mato tá cobrindo ia prefeita guardado dinheiro 💵
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