De repente, não falamos mais dos nossos mortos.
Sim, quando acontece a tragédia da perda, há a implosão daquele edifício de sentimentos: a dor, a incredulidade, a falta, o tempo. O tempo é o único aliado. E como reconstruir aqueles andares da vida que foram ao chão? A ausência não os sustentará. Mas precisamos erguer pilastras, paredes, teto. Pintar. Costumamo-nos sem a presença física, é verdade, mas continua uma sombra no olhar, um aperto dentro do coração, um sufocamento d'alma, como nos impedisse de falar, como se falar incomodasse aqueles que se foram, ou mesmo fosse desrespeitoso com eles... O céu exige total silêncio, e vamos personalizando o calar de suas vozes, o esfriar do riso, a falta de brincar. Parecem que nos preservamos de incomodar suas memórias. Também é certo que as lembranças brotam de todo canteiro, e nem precisamos regá-las. As chuvas encharcam os lenços todo dia, pela manhã e pela tarde; não nos preocupemos com o excesso do sol, elas estão protegidas e viçosas. Então, por que não comentar sobre o andar da carruagem? A vizinhança trouxera o seu abraço, mas não tem coragem de perguntar o porquê de eles irem embora ainda tão cedo, ainda tarde; de moléstia ou de idade, tão repentinamente, tão demoradamente.
Como seguir em frente?
Como levantar da cama?
Um cafezinho, pelo amor de Deus!
Ontem ouvi de Oscar Schmidt que ele desistiu de 'lutar', quer apenar ficar mais um pouco ao lado da mulher e dos filhos... Decerto que não há esse preciso ponto; despedimo-nos da vida todo dia, desde o choro e o riso do nascimento; a palmada, dois passos, o entendimento. No máximo, molharemos o jardim, outra vez, mas nunca o questionaremos sobre a viagem: se vai a pé, se vai de carro, se vai de imaginação.
Por que, exatamente, temos medo de falar dos nossos mortos?
Matéria: Escritor Achel Tinoco
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