continuação...
"Levei anos para dar um fim aos meus livros de poesia, devo dizer que vendi alguns e dei de presente a maioria. Pelo menos para o meu pai, eu era um poeta, ora, e agora quiçá um romancista. O meu primeiro romance estava finalmente pronto. Meus trabalhos no computador de Marcelino chegaram ao fim. E agora seria fácil publicá-lo, eu pensava, era só mandar uma grande editora e logo, logo receberia uma resposta dizendo que o meu livro seria um best -seller, ledo engano. Com medo de ser novamente enganado por um editor sabido, mandei a várias editoras do sul do país, mas nenhuma resposta eu obtive, nem que era bom, nem que era ruim. Nesse meio tempo, eu já o imprimira dez vezes e relera-o novamente, e corrigira-o todo dia, porque todo dia eu encontrava novo erro, ou erros velhos, uma frase exagerada, aquela cena do motel repetida muitas vezes precisava ser cortada, o ponto final que não parecia final. Coincidentemente, encontrei um ex-colega do colégio das Sacramentinas, onde eu havia estudado, chamado Jorge Randan Filho, e ele disse-me que o seu pai era dono de uma editora, portanto, eu levasse os meus originais para uma avaliação. O sol parecia ter brilhado só para mim nesse instante, como se eu já visse o meu livro em cada canto do Brasil. Cheguei afobado, no dia seguinte, a Contexto e Arte, na Ondina, para falar com o editor, o senhor Sérgio Sinotti, um homem calmo, paciente, e que, acima de tudo, gostava dos livros e vivia deles. Nossa conversa foi sempre agradável, ele prometeu-me ler, analisar e em breve me daria uma resposta. Depois de três semanas de espera, eu mesmo telefonei para ele, não suportava a expectativa.
“Gostei muito do seu livro”, ele foi logo me dizendo, o que me fez parar de respirar ao fone. “Mas acho que tem algumas passagens muito fortes e ousadas, que você poderia rever.”
Claro que sim, eu pulava do outro lado da linha. Ele me disse que fosse lá amanhã para conversarmos. Se eu pudesse ajudá-lo na edição — significava dividir as despesas com o livro —, poderíamos trabalhar juntos. Àquela altura da minha carreira literária latente, parecia o mais claro e brilhante dos horizontes. Eu publicaria o meu primeiro romance, doze anos depois de publicar o primeiro de poesia e cinco após tê-lo escrito. Eu ali, na sala de Sinotti, revisando, dando palpite, sonhando com o livro. A capa? Ainda tinha a capa. Pedi a um amigo. Uilson Moraes, que a fizesse. A revisão final? A revisão, pedi a Jorge Portugal, professor e músico que a fizesse, e o alertei: “Se você não fizer, agradeço do mesmo jeito e escrevo no rodapé do livro que você a fez”. Ele sorriu o seu sorriso grande e me prometeu que o faria. A edição com 700 livros ficaria pronta para dali a um mês. Bonita, nunca como sonhamos e desejamos, mas ficaria bonita, com 197 páginas. Agora eu precisava fazer o lançamento, precisava mostrá-lo a Bahia. Um amigo indicou-me para conversar com um DJ chamado Nenga, da boate Casulo, no Oton Palace, na Ondina. Imagine quanto isso não me custaria, e eu não tinha esse dinheiro, mas fui lá, já não tinha mesmo o que perder. Encontrei-o sentado ao lado do bar. Imediatamente, ele veio conversar comigo. Expliquei-lhe minha situação e a vontade de fazer uma festa naquela casa, embora já pensasse seria impossível, o lugar era rico, decorado com esmero, e mais importante: caro. Ele explicou-me que o aluguel do espaço, somente o aluguel, custava três mil reais. Pronto, esmoreci, afundei na poltrona de couro.
“Gostei de você”, ele me disse sorrindo. “O espaço é seu, não vai lhe custar nada”.
Fiquei boquiaberto, sem conseguir me expressar:
“E o gelo...?”, foi o que perguntei.
“Você pode usar toda a estrutura da casa: garçons, seguranças, iluminador, e eu mesmo serei o DJ”.
“E você me dá o gelo?”, repeti a pergunta agora para fazer uma graça.
Ele sorriu com simpatia:
“Você não tem jeito: está bem, dou o gelo também, mas o coquetel fica por sua conta”.
Cheguei à boate acompanhado de toda a minha família para aquele que seria o meu mais bonito lançamento até hoje. Foi uma festa. Foram vendidos 108 livros. Na hora eu achei que foi muito pouco, mas Sinotti disse que não, tudo estava perfeito. A festa varou a madrugada. No dia seguinte meu pai me perguntou se eu não estava satisfeito. Parecia triste e decepcionado comigo mesmo. Era a tal “depressão pós-livro” que eu estava vivenciado, como se o livro fosse apenas o mesmo sonho de outrora e nunca eu o tivesse escrito, precisando por isso começar tudo outra vez. Além disso, tinha 640 livros em mãos para vender por aí. Foi daí que comecei a minha via-crúcis pelas ruas e shoppings de Salvador vendendo meus livros. Um vendedor de livros. E as críticas começaram a surgir, elogiosamente. A escritora Zélia Gattai disse-me num sorriso delicado e simpático que o romance era muito interessante: “Meu filho, tem coisas nesse seu livro que eu sempre tive vontade de escrever, mas nunca tive coragem”. E o meu pai, que era um leitor dos grandes e muito crítico, também me escreveu para dizer que o livro o surpreendera positivamente.
Pronto, eu era um escritor, e ficava imensamente feliz quando vendia um livro..."
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