O primeiro "O Sonhador de Livros"
Nunca eu tinha ligado um computador até aquela manhã de segunda-feira, 1995, quando fui almoçar pela enésima vez em casa de José Marcelino, amigo havia mais de dez anos. Por que somente agora? Andava com o coração despedaçado por um amor adolescente e por isso precisava expô-lo de alguma forma, que não fosse aos ouvidos das amigas confidentes que já não aguentavam minhas lamúrias amorosas. Então pensei que jogando todo o meu desencanto sobre o papel, ou melhor, na tela do computador, seria uma maneira de eu me aliviar da compressão no peito. Já me havia aventurado pelos caminhos pedregosos das letras, lançara seis anos antes, um livro de poemas chamado Outra parte de mim, que eu imaginava desbancar até Castro Alves quando meus versos se dispusessem pelas vozes dando conta de toda minha genialidade poética falando das coisas do mundo, deste e de outro mundo. Pois bem, gastei um carro para lançá-lo. Sem experiência e com a agonia dos jovens de fazer tudo a qualquer custo, fui lançar o livrinho no Grande Hotel da Bahia. Sequer tive o cuidado de pedir um orçamento para o coquetel, o gerente me dissera que seria uma pechincha. Pelas 19h os amigos começaram a chegar e até uma TV local foi-me entrevistar. Faltando exatamente cinco minutos para as sete da noite, horário previsto do lançamento, o editor Luiz Ademir de Souza, entregou-me os cinco pacotes com 100 livros cada. Eu o tinha conhecido seis meses antes, depois de procurar pelos jornais uma editora para publicar o meu primeiro livro, na sua sala de escritório, que também servia como editora, à rua Barão de Loreto, sei lá o número, no bairro da Graça. Evidentemente, ele recebeu-me com deferência como se eu já fosse um autor consagrado. Empolguei-me. Meia hora de conversa, meio dia de ansiedade e expectativa da minha parte e negócio fechado. Eu pagaria X agora mesmo e um cheque pré-datado para dali a um mês, embora o livro só me fosse entregue daqui a dois meses e meio, ou seja, um mês antes do lançamento, que eu já imaginava para inicio de dezembro, dependendo tão somente do local a escolher. Todos os dias eu telefonava a Ademir cobrando os livros, mas os livros só me foram entregues agora, faltando cinco minutos para o primeiro convidado chegar... Rasguei o papel de embrulho para arrumar uma quantidade sobre a mesa para serem vendidos por um amigo que já se encontrava a postos. A capa era branca com o desenho de um homem rosado abrindo o peito e deixando escapulir lá de dentro milhões de outros corações, feita por um jovem iniciante nas artes plásticas, oriundo da cidade de Jacobina, chamado Fabian Maciel, que estava também ao meu lado com o peito inflado de orgulho pela sua obra na capa, muito menos pela minha. Ao folhear o primeiro exemplar, folhas voaram pelos ares e eu voei sobre uma tristeza enorme, o livro não havia saído como eu sonhara. O editor, com cara de gato mestre, disse-me sem graça que o livro era uma maravilha e aquele incidente acontecia. Acontecia nada, o livro não era um livro, mas um arremedo de páginas mal coladas que em pouco eu estaria autografando mesmo assim para 200 convidados. Disse à entrevistadora que ainda que eu não fosse Castro Alves, acreditava piamente no amor, e em nome do amor eu escrevia — uma verdade até hoje. Somente quando o gerente me apresentou a conta do coquetel, eu comecei a enxergar o longo e duro caminho que teria pela frente se realmente quisesse seguir numa carreira literária. Toda a alegria, em parte, do lançamento, perdeu-se na quantidade de número que eu lia e relia naquela folha de papel timbrado com a marca elegante do hotel. Chamei-o a um canto, depositei-lhe nas mãos o que tinha arrecadado com a venda daquela noite e disse-lhe que amanhã eu voltaria para acertar o restante da conta. Meu pai, imediatamente atrás de mim, compreendeu logo o meu abatimento e disse-me que eu não me preocupasse: “Calma, eu ajudo você com uma parte”. Mas ainda faltava outra parte...
Matéria: Escritor Achel Tinoco
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