Escritor Achel Tinoco
Por acaso, lembrei-me de umas cartas que escrevia. Nada era mais imprescindível do que escrever uma carta. O amor era medido pelo tamanho da carta. Na verdade, o amor ia dentro da carta, rabiscado em cada linha, nas entrelinhas, até o ponto de seguimento, porque eu me recusava a finalizar o parágrafo, que significaria indubitavelmente ponto final. Se não fosse essa carta, como descrever o amor que eu sentia; a saudade que me corroía; a suposta fantasia? Como enumerar toda a beleza que eu via naqueles olhos, embora fizesse tanto tempo que eu não a via de pertinho? Fosse um poema de ofertório, descrito no sorriso do encontro, no beijo do desencontro, no abraço apertado de se dar. Liga o som, toca acolá... antes que uma lágrima desapontada borre a folha de papel. Nem podia justificar a caneta tinteiro, que pena! Já estava na era moderna. A carta prosseguia sem mais delongas, sem mais novidades do dia a dia, prosseguia, porque eu me recusava a dar-lhe um basta. Pouca inventividade, desenhar corações nas bordas, fazer um post-scriptum, repetir a encenação. O amor perdia um pouco do viço na próxima estação, a letra já não saía a contento, engarranchava-se na ideia. Mas era preciso uma frase tão piegas, com o efeito de uma bola de gude, escrita na cabeceira da cama:
“Escreva uma carta, meu amor,
E diga alguma coisa, por favor!...”
Hoje não escrevemos mais cartas, porque não temos mais tempo de esperar por elas.
Comentários
Postar um comentário