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Escritor Achel Tinocõ recebe título de cidadão Ibirataense

 


O meu Discurso na Câmara Municipal de Ibirataia:


Quando os meus avôs, os paternos e os maternos — Manoel Tinoco, Carlinda, Hedgar Borges e Marta — aqui chegaram, no início do século XX, por certo ainda encontraram cacos de outras civilizações. Os índios já haviam partido, não soubemos para onde. Quais índios? Acredito que os tapuias — índios que não eram tupis, de várias etnias diferentes. A Vila Ferreira foi tomando jeito; bem como a Jandaia e a Paz e Amor. As famílias foram se formando. Os filhos destes com os filhos daqueles. Luiz Tinôco logo se encantou por Heloína Borges, de apenas 12 anos de idade, imaginem! Mas nada de gaiatice, desse tempo ao tempo. E partiu para o Estado do Pará. Longe demais. 33 dias em cima de um caminhão pau de arara. O senhor Tinôco, já quase um senhor, partiu atrás. Mas antes de eu nascer, casaram-se. Ora, tá! 



Então, por uma questão de logística, não nasci em Ibirataia. Não sou, portanto, ibirataense de documento. Estreei nas matas de São Domingos do Capim, às margens do rio Capim, assistido pelos macacos na janela. Nem a parteira Elenita estava lá para me aparar. Apararia os meus irmãos. Mas o meu pai fez todo o serviço, com louvor: cortou meu umbigo e preparou o pirão de chibé com pirarucu. Para escapar do impaludismo, um ano depois, corri para cá. E cá nesta Tesouras, já transformada em Pau Ardente (Ibirataia), dei os primeiros passos, conheci as primeiras letras, cai da bicicleta, montei a cavalo, cortei o dedo do primo Ronaldo com um facão, subi a Ladeira do Carrapato — mas só vi Fubeca, de passagem —, e fui tantas vezes socorrido pelo amigo Osório. Por fim, tomei banho no saudoso Rio da Formiga, que já se perdeu na nossa imaginação. Era forte, caudaloso, bonito. Nele, podia-se pescar cambute, xixiu, traíra, piau. Nele, podíamos beber água na concha das mãos, que não fazia mal. O rio era um patrimônio, um bem, um rio. Sim, o rio era apenas um rio, que se o deixássemos em paz, estaria lá até hoje a correr plenamente na direção do mar, sem que ninguém o tocasse, mas usufruíssemos dele... Foi então que chegou o homem, como chega a todo lugar, e achou que o rio era sua lata de lixo. A prova inconteste da nossa falta de educação, pelo menos de nossa educação ambiental. A culpa e a responsabilidade pelo seu afogamento não são deste ou daquele prefeito, nem do vereador, nem do deputado, nem de qualquer dos lados, a culpa é de todos nós que desprezamos as suas margens e o inundamos com sofás, televisores, sapatos, plásticos, e todas as nossas misérias descartáveis.  



Se não cuidarmos do que está a nossa volta, teremos apenas o sol por testemunha, cada vez mais forte, cada vez mais abrasador.

 

Seguindo o raciocínio, inspiração não me podia faltar, éramos ricos de paisagem, de matas, de rios, de belezas. E não bastasse o canto dos papa-capins, dos bigodes e dos 'cabocolinos' — que então valiam uma semente de alpiste; hoje valem uma fazenda — eu ouvia diuturnamente as canções românticas de Roberto Carlos, quase por imposição apaixonada de minha mãe, para desespero do meu pai. Restou-me ensaiar os primeiros versos, sempre voltados para algum amor platônico, alguma menina que eu via passar na rua, ou a imaginava na voz do supersticioso Rei. Não, ainda não era Joelma, eu acho. Afora isso, fomos nós aos babas, às cavalgadas, à caça aos passarinhos.  


Tenho certeza de que a infância de quase todos aqui foi assim sadia e muito divertida. Éramos crianças apenas. 


Todo o meu aprendizado inicial, portanto, se deu nesta cidade, na Escolinha Chapeuzinho Vermelho, no Colégio José Firmino e no Ginásio Estadual de Ibirataia. Então, eu não poderia esquecer, de jeito algum, os professores Dinha Dilce, Lourdes Calheira, Magnólia Souza, Niltinho, Maria do Carmo, Celeste, Sidnéia Ramos, Renato, Nau, Deusari, Mamede, Teresa Marina, Emília, Chiquinho, Zilma, Neuzete. 


E eu não poderia esquecer a loja de seu Daniel, os tecidos de Pedro Nunes, os canários belgas de Camerindo, a clínica de Dr. Aristóteles, as andanças do cego Biô, as histórias fantásticas de Joaquim Marrom, o elegantíssimo Jeff, os gaguejos de Dr. Ubiratan Costa, a firma de Renato Guimarães, o goleiro Zeni, o pedreiro Otaviano, o sapateiro Gerson, a enfermeira Dete, seu Rômulo Calheira, o prefeito Ilton Leal, o exotérico Kalu, o 'pó de arroz' Vicente Gazineu, meu padrinho, e minha eterna madrinha Guilhermina!... 

 

Só ficava aperreado, no fim do mês, quando o meu pai me levava para cortar os cabelos no salão de Piqueta. Sentava-me na cadeira, capa sobre os ombros, para começar a tosquia. Morri tantas vezes, quando me olhava no espelho e via aquele pimpão parecido com um penacho de pião roxo no meio da cabeça raspada. Ah, Piqueta!  


Enfim, a vida tinha que continuar.  


Tio Ciro, Osias, Zeca Anão, Nilton Novais, Betinho, seu Doji, Dr. Edgar, Agenor Gonçalves, Jurandir, Eurico Leite, Belinha, dona Elza, seu Bia, Álvaro, tia Marocas, Caju, Zé Alves, Sandra, tio Hugo, Claudina, Júlio Leal, Dadinho, Madalena, seu Ivan, Menandro, dona Hilda, Juraci, Zé Prazeres, Tidinho, Alfredo Miranda, Altiva, Dr. Gil Moreira, Robson, tio Miguel, Gibran, Mozart Leite, seu Jonas, Nelson Barbosa, dona Roquelina, Evandro, Manoel da Ambulância, Arlinda, Antônio dos Santos, Zé Queixão, Shirley, Zeca Costa, Maninho, Everaldo Guimarães, Abiel, Elias, Raimundo Cinderela, Adson, Neilton, Zé Muniz, Itinho, dona Violeta, Bebeco, seu Vadinho, Saco, Henrique Basílio, Buri, Djalma, Misael, Tenente Romeu, Guedes, Bizunga, tia Bernadete, Carol, Brocoió, Garrincha, Bireu, e o meu irmão Dryden.  


Sou também da terra do Quarteto em Cy, dos Tinôco, dos Fair, dos Pereira, dos Oliveira, dos Thiara, dos Chequer, dos Gonçalves, dos Hagge, dos Leite, dos Prazeres, dos Araújo, dos Santos, dos Silva, dos Anjos... Todos fizeram parte da minha vida, foram importantes no meu desenvolvimento, contribuíram para o meu aprendizado, a minha cultura, a minha poesia e, principalmente, para a minha saudade.  


A educação não é um título de doutor emoldurado na parede da sala, mas a compreensão de tudo o que nos cerca: dos nossos sentimentos, das nossas dores, e até dos nossos amores.  


No lançamento do livro de Juliana Lobo, no Coreto do Jardim, em outubro, percebi que algumas crianças com o livro nas mãos, da mesma idade da autora, folheavam-no com interesse, com alegria, mas não conseguiam entender o título ("A menina que amava as bonecas"), ou seja: não conseguiam ler. Não sabiam ler. Isso é uma vergonha para todos nós. Nenhuma cidade, nenhuma comunidade, nenhuma casa podem estar satisfeitas e realizadas se um membro seu ainda não conhece as letras. Seremos jamais um país desenvolvido se houver um analfabeto. Não há dinheiro, não há riqueza que se sobreponha aos livros, à leitura, à educação. A Educação tem que ser como lápis de cor: desenhar até os sonhos mais infantis. E o sonho daquelas meninas, tenho certeza, era tão somente ler o título do livro.  


Que a partir desta data, nenhuma criança nasça antes de os pais e o Estado assegurarem o seu futuro escolar. Esta devia ser a lei. Que a partir desta data, não haja um só analfabeto na nossa cidade. Que a nossa cidade seja conhecida como a "Cidade da Educação".  


Fui estudar na Capital. Vi muito, aprendi muito, sonhei muito, mas o que ficaram armazenadas definitivamente no meu olhar foram as imagens ingênuas e felizes da minha Vila Ferreira e da minha Ibirataia. Até as paixões e os amores, eu os conquistei aqui, Joelma e a Rãzinha Juju agora escritora como eu, que muito me orgulha. Ela é a prova mais lúcida de como a educação ascende, transforma, realiza.  


Tornei-me escritor. Tenho quase 30 livros publicados. Na maioria deles, eu falo de Ibirataia, de sua gente, de seus personagens, de sua história. Nunca me esqueci das minhas origens, dos meus amigos, da minha família. Podem procurar: estão todos, de alguma forma, retratados nos meus livros.   


Disse certa vez o escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez, Nobel de Literatura: "Não se é de parte nenhuma enquanto não se tem um morto debaixo da terra". Tenho sob este chão muito mais gente do que seria preciso. E, se é verdade que somos do lugar onde nos enterram, eu quero ser enterrado aqui — mas não tenho pressa alguma! Sei que o escritor não morre, ele volta para as páginas dos seus livros —, portanto, sou deste lugar, sou desta terra, sou de Ibirataia, e por isso me considero, verdadeiramente, um cidadão ibirataense.  


Sinto-me imensamente honrado e feliz por esse título, que me foi concedido pela Câmara Municipal de Ibirataia, indicação feito pelo vereador Ravi Machado, meu amigo! E confirmada pelos demais edis. Obrigado a esta casa pelo carinho, pela atenção, pela consideração. Afinal, como se diz: "Santo de casa não faz milagres". Mas observa tudo. Espero sempre poder contribuir com a vida desta cidade, com o seu desenvolvimento e, principalmente, com a sua Educação.   



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