Morte e vida Severina

.            Matéria: Escritor Achel Tinoco 

A morte bate à sua porta e diz:

— Oi de casa!

A vida, que acabara de acordar, assustou-se, ergueu a cabeça e pôs ouvidos a escutar... Voltou à escuridão de seu quarto de dormir. 

Mas a morte tornou a chamar:

— Tem alguém em casa?

A vida então pulou da cama, esticou os braços, e foi abrir a porta. 

— Que queres tu de mim, senhora impiedosa? 

— Prepara-te, porque vim te buscar — disse a morte já com enfado. — Nada mais do que isso.

— Lá ele! Procure outra para levar...

— Tens que ser tu. 

— Por quê?.

A morte empertigou-se:

— Chegou a tua hora. 

— Atrasa o teu relógio, ora! — disse-lhe em tom pueril.

— Não tenho pulso.

A vida então franziu o cenho descorado e disse numa voz plangente:

— Se não tens pulso, como pretendes me levar?

Ela, a velha morte, estacou:

— Não blasfemes, ó, vida — disse com autoridade. 

— Decerto não me ouves: nego-me a segp!uir-te.

— Ficarás aqui sem vida até apodrecer-te as carnes. 

A vida não pestanejou:

— Pois que seja. A esperança é a última que morre.

— Não. A esperança é a primeira a morrer. 

— Tu és a noite...

— Tu és o dia.

— Aqueles que nunca se encontram: o sol e a lua. 

A morte olhou para o norte a seguir, ar sombrio, o contraditório:

— Não sentirás a dor deste momento. 

— Por que queres me tirar de mim?

— Quero que sigas o curso do rio...

— Pois, viver é o curso natural.

— Morrer também o é. 

— Vai na frente, que eu te acompanho, enfim.

A vida bate a porta atrás de si. 

Seguiu-se o cortejo.

Comentários

Postagens mais visitadas