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Crônica de uma Turista na Bahia

.         Matéria escritor Achel Tinoco

Na noite em que viajariam de volta para a França, Vivi e a sua filha Malu chegaram ao Aeroporto Internacional de Salvador — Dep. Luis Eduardo Magalhães com duas horas de antecedência. O voo estava marcado para as 22h55min da noite de sexta-feira. Não chovia, e a temperatura estava agradável, por volta dos 23 graus. Saltaram do táxi, e foram direto ao setor de embarque para despachar as malas.

As férias na capital baiana foram assim, assim... Vivi achou a cidade um tanto mais violenta — como de fato estar —, ruas esburacadas e mal sinalizadas, e obras, muitas obras inacabadas pelo caminho. Ficou horrorizada com a notícia do assassinato de uma menina, chamada Cristal, de 14 anos, às 7 da manhã, quando se dirigia à escola, acompanhada pela mãe e por uma irmã mais nova. Duas mulheres a abordaram para tomar o celular e uma delas atirou no peito da garota, que caiu em frente ao Palácio da Aclamação, bem ali no Campo Grande, centro da cidade. Mas o povo continua o mesmo, segundo ela, alegre, divertido, baiano.  

 Depois de despachar as bagagens, encaminharam-se ao departamento da Polícia Federal. O policial que as atendeu, examinou todos os documentos da mãe e da filha, olhou para ambas e disse-lhes, sem modos, que elas não podiam embarcar:

  Mas por que, senhor? — perguntou-lhe Vivi, já um tanto angustiada.

  Falta uma autorização do pai da menor.

  O pai dela está na França. Minha filha foi registrada, aos seis meses de idade, e sempre entrou e saiu do Brasil, como turista, com documentos franceses, sem nenhum problema. Estamos providenciando, inclusive, sua dupla nacionalidade.

 Vivi então lhe apresentou todos os documentos disponíveis: brasileira, baiana, casada, residente na França havia mais de quinze anos, mãe de uma menor, francesa, de 12 anos. Apresentou-lhe ainda a certidão de casamento, os documentos da filha. Não bastasse, fez uma chamada de vídeo com o marido, para comprovar o que dizia. 

  A senhora pode estar sequestrando sua filha — disse o agente. 

  Quê? — Vivi tirou a máscara do rosto para melhor encará-lo.

 — Precisamos protegê-la.

 — Quê? — Vivi pôs a máscara de volta.

 Nesse instante, todos os argumentos foram por terra. Ou melhor, foram pelo aeroporto quase vazio àquela hora. Somente os pedintes, drogados, taxistas e motoristas irregulares de Uber pareciam ter vida. Vivi estava desnorteada, e a filha, ao lado, também confusa, não conseguia entender... Suas bagagens foram tiradas do avião. O avião levantou vôo, e elas não puderam ir. Foram informadas, por fim, de que a companhia iria deixar em aberto as passagens, até que todas as pendências fossem resolvidas. E o documento que faltava teria que vir em papel impresso; a Polícia Federal não o receberia por e-mail. Ou então, viesse o pai da menina, pessoalmente, resgatá-la. 

 Vivi é natural de Jequié, no sudoeste da Bahia. Aos seis anos, foi com os pais morar em Ibirataia, mais ao sul, onde ficou até os 16, e voltou para Jequié. Depois resolveu ir embora para a França, a convite de uma amiga que lá morava. Conheceu o feche contábil Pascal Brusset, por quem se apaixonou e com quem se casou algum tempo depois. Moram no sul, na cidade de Vaucluse, onde Vivi trabalha com crianças e é considerada uma das melhores assistentes maternal da cidade. 

 Mas nada disso importa. O que importa é o documento. 

 E já passa da meia-noite. Vivi leva ambas as mãos à cabeça, chora; a filha também chora. O que fazer? Não têm parente na cidade, precisam ir para um hotel. Qual? Precisam trocar o dinheiro, mas, naquele aeroporto, não tem mais Casa de Câmbio, muito menos um posto do Juizado de Menores para se queixar. E se não tivesse dinheiro para esticar a estadia, como fariam? O agente da Polícia Federal, tão preocupado em proteger sua filha, sequer teve a gentileza de lhes indicar o ponto de táxi. Elas que se virassem. Vivi tomou a frente, foi ao ponto de táxi, pediu ao motorista que as levasse para o hotel Intercity, que ela conhecia, ali próximo do aeroporto. Nada mais poderia resolver hoje. Somente na segunda-feira. Talvez. 

 E somente na segunda-feira, Pascal conseguiria enviar, pelos correios, o documento exigido. Vivi acordou cedo, na verdade, pouco tinha dormido, olhou pela janela do hotel e viu o aeroporto ao longe, aviões subindo e descendo, o sol da Bahia a pino. Poucas nuvens se aventuram  no céu. Malu ainda ressona. Mas precisavam se arrumar para voltarem à Polícia Federal do aeroporto. Falaram com o policial Reis, ainda mais grosseiro: 

 Não sei o que a senhora veio fazer aqui! 

 É sobre o documento...

 — Cale a boca. Aqui a senhora não tem direito de falar. Quem fala sou eu.  Ela ainda levantou o dedo, como uma criança pedindo mais atenção.

 Ele repetiu, o tom de voz ainda mais elevado:

 — Quem fala sou eu. 

 Malu, que nunca presenciaram tamanha falta de modos, tanta ignorância e estupidez de um servidor público, começou a chorar. 

 Ele continuou indiferente:

 — Vá procurar o juiz, o papa, quem a senhora quiser. Mas não venha me importunar em pleno sábado. 

 Somente na segunda-feira. Fim de semana é para as festas. Voltaram ao hotel. O tempo não passa. A praia está ali, mas tão longe. Pascal enviou pelo correio o documento assinado na manhã de segunda-feira; na terça, o envelope passou por Londres; na quarta, pelos Estados Unidos, chegando em Campinas, na quinta-feira. Mas pasmem: na capital baiana, só chegaria oito dias depois. 

 Um servidor plantonista da Defensoria Pública do Estado da Bahia informou que o Plantão Não Penal da Defensoria está localizado na rua Arquimedes Gonçalves, 271, no bairro Jardim Baiano. Os documentos para solicitação de autorização de viagem podem ser recebidos presencialmente ou pelo e-mail da instituição. Ué? "Recomendamos o envio do máximo de documentos possíveis: documentos de identificação com foto (ex: RG, CPF, passaporte) da genitora, genitor e da adolescente; certidão de nascimento da adolescente; comprovante de residência; documentação escolar; certidão de casamento; comprovante de renda familiar; cópia das passagens áreas de ida e volta". 

 Vivi enviou todos os documentos pedidos. E, segundo lhe foi informada, não houve ajuizamento de processo. A Defensora Pública plantonista entendeu não ser hipótese de distribuir ação no Plantão Judiciário. A demanda foi encaminhada para a Especializada de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (DEDICA), que é um setor da Defensoria Pública, para acompanhamento, e será responsável por analisar o caso e a documentação. O setor pode ser comunicado por meio do WhatsApp, telefone, ou por e-mail.

 Vivi precisava voltar para casa, precisava voltar ao trabalho, à vida. Tanto tempo perdido, tanto documento, nada se resolve. O documento não chegava, as autoridades não resolviam, elas continuavam em Salvador, noutro hotel, no centro da cidade, para facilitar a locomoção. Não tinha mais ânimo para visitar nada, não tinha vontade de sair. E bastou ligar a TV, que outra notícia as deixou chocada: "Uma nutricionista chamada Esperança, a caminho do trabalho, teve o rosto desfigurado por um tiro deflagrado por assaltantes que queriam lhe tomar a bolsa". Os dias prazerosos das férias, visitas aos familiares, no interior, há muito haviam se dissipado com a agonia de se sentir aprisionada no próprio país. Foi-se pelo ar o orgulho de ser brasileira, de ser nordestina, de ser baiana. "Ontem, ao pôr do sol, uma turista francesa, de 20 anos, foi esfaqueada, no pescoço, em pleno Farol da Barra". Meu Deus!

 Mas quando a família é forte, tem unidade, responsabilidade, tudo há de se resolver. Pascal, o marido francês de Vivi, acaba de chegar a Salvador para resgatá-las, mãe e filha. Atravessou o oceano Atlântico, 16 mil quilômetros de viagem, para buscar a família. Nossa, um sentimento de alívio, de paz, de amor, tomou conta de todos, de todos da família. Vivi chegou ao Aeroporto de Salvador, nesta quinta-feira, às 22 horas, mas desta vez de cabeça erguida, a filha ao lado, sorridente, o marido de braços abertos. 

 Vão lá, mais uma vez, vão à Polícia Federal, que o agente Reis tem algo muito importante para lhes dizer:

 — A lei é assim — disse, e examinou os três passaportes. Depois perguntou burramente: — O pai da menina está presente?

 Melhor não responder, dona Vivi Brusset. Melhor não responder.

 Já estavam dentro do avião quando Vivi recebeu uma mensagem, por celular, informando-lhe de que o documento acabara de chegar.

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